Meu caro Vinícius Brandão,
Com todo o respeito que lhe tenho — inclusive por sua juventude entusiasmada e seu recém-descoberto gosto pela retórica jurídica — preciso, com a devida vênia, tratar de algumas premissas equivocadas que embalam sua nota de esclarecimento.
Antes, contudo, receba minha consideração pessoal e respeito. Não me espanta seu zelo na defesa do novo modelo de Zona Azul, até porque, ao que parece, esse empenho vem de berço. Como todos nesta cidade já perceberam, sua fidelidade ao atual prefeito há mais de 20 anos parece, por assim dizer, um patrimônio familiar transferido com naturalidade de pai para filho o que, embora não seja crime, torna qualquer argumentação sua, por mais elegante que tente ser, impregnada de parcialidade.
Aliás, não é segredo para ninguém que seu pai, seu Guilherme, há anos vinculado ao atual gestor — inclusive em vídeos recentes no Instagram exaltando a volta da Zona Azul com entusiasmo digno de campanha eleitoral — integra com visível conforto o coro dos contentes. Um gesto legítimo, sim, mas que, em tempos de crise, soa no mínimo desconectado da realidade de quem vai pagar o boleto do estacionamento com suor e salário mínimo.
A versão “moderna” que custa caro
Você afirma que o novo contrato é transparente, moderno e justo. Mas, caro Vinícius, o que há de justo em elevar de R$ 1,00 para R$ 3,50 a hora de estacionamento? O que há de moderno em onerar o morador, que precisa estacionar todo santo dia, com uma conta que vai saltar em média de R$ 200 mensais para no mínimo R$ 756,00 ou mais ? É simples, faça a conta de 10 horas diárias a R$ 3,50 – incluindo o horário de almoço - e chegará a um resultado mínimo de R$ 35,00 por dia, resultando em R$ 175,00 por semana, e que somados a 4 horas no sábado resultará em exatos R$ 189,00 por semana. Simples e elementar. A não ser que você, assim como o prefeito, tenha uma calculadora diferenciada. Não precisa ser nenhum gênio literário para perceber que o ponto principal desta minha discussão diz respeito ao valor a ser pago pelos motoristas e não pelo que o Município vai arrecadar ou não, o que para mim é absol;utamente secundário, embora a empresa amiga do prefeito vá faturar no mínimo mais de R$ 118 milhões nos próximos 10 anos e que serão por certo renovados por mais 10 anos, já que, como todos sabem, JN não dá ponto sem nó.
É muito bonito falar em “tecnologia”, “QR Code” e “inclusão social”. Mas, quando isso vem atrelado a uma tarifa que beira a extorsão, o discurso se esvazia. Não se combate injustiça social com aplicativo. Combate-se com tarifas equilibradas, gestão responsável e respeito ao contribuinte local.
O contrato anterior: alvo fácil, explicação frágil
Dizer que o contrato anterior foi anulado por ilegalidade é um sofisma perigoso. A rescisão, como é de conhecimento de qualquer estudante atento de Direito Administrativo, ocorreu por decisão unilateral do município, não por sentença que decretasse fraude ou desvio. Mais do que isso: houve repasses, inclusive durante o período em que os serviços foram suspensos pela pandemia, entre março e final de 2020, com as ruas fechadas para circulação de automóveis. Ignorar isso e repetir a tese de que “nunca houve comprovação de pagamentos” é fechar os olhos para os documentos e abrir espaço para o discurso conveniente.
Sobre os percentuais e a matemática da fantasia
Segundo seu texto, o município agora receberá 17% — o que soa ótimo, não fosse um detalhe incômodo: não há clareza se o ISS está ou não incluído nesse número. Quem está passando esta informação é você, já que a prefeitura só tem se manifestado até o momento através da sua imprensa de aluguel. Mas tudo bem, se estiver, a diferença para o contrato anterior, que previa 10% + 5% de ISS, é de míseros 2%. Se não estiver, o “salto de arrecadação” tão alardeado não passa de 7%, para um contrato de 10 anos envolvendo mais de R$ 118 milhões de reais de faturamento para a empresa camarada do prefeito, o que jamais justificaria o reajuste de 250% na cobrança por hora estacionada. Essa matemática, meu caro, não fecha — nem com workshop na Câmara. Sinto muito.
A independência da CDL: um silêncio ensurdecedor
Admito: nunca lhe chamei de “puxa-saco” e nem seria tão deselegante com uma pessoa tão gentil e educada para comigo, embora sua fidelidade discursiva ao atual gestor possa deixar essa interpretação ao gosto do freguês. O que me preocupa, porém, é o uso da sigla CDL — uma entidade que deveria ser plural, crítica e atenta — como se fosse apêndice institucional da prefeitura.
Que mal lhe pergunte: onde estava a CDL quando a PORTRAN transformou a cidade em campo minado de multas metendo literalmente a mão no bolso do cidadão? Onde estava a entidade quando a ponte do Arraial foi abandonada logo após o pleito eleitoral, verdadeiro tiro no pé do turismo, em um exemplo cristalino de trapaça política? Onde está a voz da CDL diante dos aproximados 1500 fantasmas da folha e da farra das nomeações ou será que você não tem conhecimento disso? Em lugar nenhum. Ou melhor, nas palmas.
Sobre passado, coerência e coerções
Sim, prestei assessoria por apenas 2 anos à ex-prefeita Claudia Oliveira, como pequeno advogado iniciante e buscando aprendizado. Nunca escondi isso, nem precisei camuflar minhas relações com vídeos institucionais. E posso garantir, com toda serenidade, que jamais fui chamado para participar de qualquer ilegalidade, ou que sequer tenha presenciado algo parecido, por menor que fosse. E a comparação entre aquela gestão — que pelo menos atendia pessoalmente, explicava e ouvia — e a atual, que só atende de tempos em tempos no Palácio do Mundaí, e que finge transparência enquanto fecha os olhos para o desconforto do cidadão, só pode ser feita por quem não vive a realidade e o dia a dia da cidade.
Para encerrar, sem QR Code
O novo modelo da Zona Azul é, sim, ao menos no meu modesto entendimento, uma maquiagem cara sobre um projeto velho e elitista. A conta agora é digital, mas o peso no bolso é real. A promessa é de isonomia, mas o morador continua pagando a conta do turista. E a propaganda, embora simpática, não resiste ao teste mais básico da realidade: o contracheque de quem trabalha no centro.
Continuarei fiscalizando, questionando de forma independente e, sobretudo, não me calando diante da maquiagem da má gestão. Porque Porto Seguro não é cidade de um só grupo, nem terra de cabresto eletrônico. E se minha opinião ainda é livre — mesmo com estacionamento pago — então aqui está: essa Zona Azul é cinza demais para passar por azul de verdade.
Com estima,
Miro
* Advogado, blogueiro nas horas vagas e morador desta terra há mais de 40 anos.