zona azul

 

 

Porto Seguro acaba de reinaugurar sua Zona Azul. Agora com aplicativo, leitura digital de placas, discurso bonito e os mesmos elogios de sempre da CDL, da Associação Comercial  e da imprensa de aluguel — aquelas que vivem em um mundo onde cobrar mais é sinônimo de gestão moderna. A nova versão vem com promessas de eficiência e transparência. Mas, como já se sabe por aqui, embora a volta da Zona Azul seja extremamente necessária - eu mesmo sou ardoroso defensor da ideia - promessa de campanha em Porto Seguro vale tanto quanto sinal de wi-fi de hotel barato.

 

Vamos aos números, que não mentem — mesmo que a prefeitura tente e o meu amigo Vinícius Brandão, presidente da CDL,  não concorde com minha reflexão. Senão,  vejamos, já que a matemática ainda  é uma ciência exata: em 2019, o sistema da empresa Palmas foi implantado sob regulação do Ministério Público, via Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), com valores claramente definidos: R$ 2,00 por hora para moradores, R$ 4,00 para turistas, fracionamento de R$ 1,00 por meia hora e desconto automático após duas horas. Havia ainda vaga de longa duração, gratuidade para idosos e deficientes e, o mais importante, previsão contratual de repasse mínimo de 10% da arrecadação para o municípiofora o ISS, que girava em torno, presume-se,  de 5%, dependendo do regime tributário da empresa Palma, a qual não sei informar no momento.

 

Vai prestando atenção, caro leitor. Na prática, o município recebia - em tese - até 15% do faturamento bruto da concessão, com prestação de contas mensal, sob pena de penalidade e, caso não atingisse os 10% a empresa era obrigada a complementar o percentual faltante. Agora, a gestão atual, que adora falar em inovação, promete um repasse de 17% — mas não diz claramente se o ISS está incluído nesses 17% ou não, ou seja, caso esteja incluso, a diferença entre a arrecadação municipal  de antes e de agora seria de apenas 2% .  Não sendo este o caso, a diferença seria de no máximo 7%, digamos assim de "vantagem" para o município. E como tudo por aqui virou pegadinha institucional, a sensação é de déjà vu: o discurso é novo, mas a enganação é a mesma.

 

SALTO ESCANDALOSO 

 

Em valores, o salto de preços  é escandaloso. O que custava R$ 2,00 por duas horas para um morador, agora custa R$ 7,00. Um aumento de nada menos do que  250%, isso quando a inflação entre 2020 e 2025 foi de apenas  33,23%, segundo dados do IPCA. Significa dizer que se o preço atual fosse corrigido com seriedade, o valor deveria estar em torno de no máximo  R$ 2,66 por hora. Mas em Porto Seguro, o que se corrige não é a tarifa: é a memória da população, com doses cavalares de propaganda e ilusionismo institucional.

 

Desapareceram os descontos, a tarifa local para carros emplacados aqui,  o fracionamento de meia hora e a tolerância de 10 minutos. O novo modelo cobra mais e entrega menos — e faz isso sem sequer garantir diferenciação entre quem mora aqui e quem está de passagem. A isonomia virou desculpa para nivelar por baixo. O morador de Porto Seguro virou um estranho em sua própria cidade, punido por não ser turista. E mais: desaparecem os benefícios antes concedidos aos moradores, inclusive para os veículos emplacados no município.

 

Essa conversinha mole de que oferecer descontos para moradores seria ferir a isonomia, não se justifica, ou melhor, só  se justifica para quem insiste em bater palmas para quem lhe tunga o bolso. Seria a tal “Síndrome de Estocolmo”, segundo a qual a vítima desenvolve sentimentos de afeto, simpatia ou até mesmo amor por seu sequestrador, condição psicológica que ocorre quando o sequestrado, submetido a um longo período de intimidação e abuso, passa a desenvolver laços emocionais com o seu agressor/sequestrador?  Sim porque no novo sistema não haverá  mais a tarifa local, nem promessa de diferenciação justa entre contribuinte residente e turista eventual. A atual gestão criou uma tarifa única que penaliza todos de maneira igual — e quem mora em Porto Seguro sabe que esse “igual” costuma significar “para pior”. 

 

LITERATURA DA ENGANAÇÃO 

 

O argumento da “transparência digital” é outro capítulo da literatura da enganação. Muito se fala em tecnologia, OCR, GPS, aplicativo... mas nada se diz sobre o que interessa: quanto será efetivamente repassado ao município? Qual o mecanismo de controle? Quem fiscaliza? Até agora, nenhuma resposta. Na gestão anterior, ao menos havia um TAC assinado com o Ministério Público, uma lei municipal clara e prestação de contas regular. Hoje, o que há é um discurso solto e um número mágico: 17%. Mas o que há de concreto nesse número? Ninguém ainda  sabe.

 

Mais escandaloso é o silêncio sobre a forma como a empresa anterior foi expulsa e o serviço foi encerrado. A Palmas foi punida com uma multa de mais de  R$ 18 milhões — mesmo tendo operado por poucos meses, e tendo sido obrigada a paralisar atividades por conta da pandemia, entre março de 2020 e março de 2021. A atual gestão, eleita prometendo extinguir a Zona Azul, fez exatamente o contrário: extinguiu foi a concorrência, manteve a cobrança e aumentou assustadoramente  o preço — sem qualquer pudor em chamar isso de “avanço”.

 

No fim, o que se vê é o mesmo velho truque. A nova Zona Azul é mais cara, mais impiedosa,  menos justa e insensível, e mais obscura. É uma reforma que começa no bolso do cidadão e termina no caixa de quem ganhou a licitação, além de certamente reservar boa parte do faturamento para um  misterioso saco sem fundo que insiste em menosprezar a inteligência dos moradores e, principalmente, de quem fiscaliza os atos públicos.  Um projeto que prometia modernidade, mas que entrega o de sempre: a velha política, com novo nome e velha conta para o contribuinte pagar.

 

A nova Zona Azul surge, assim, como um simulacro de avanço. É mais cara, mais severa e mais insensível. Serve menos ao cidadão e mais à máquina arrecadatória disfarçada de “mobilidade urbana”. Se é isso o que se entende hoje por progresso, então é bom que os porto-segurenses se preparem: como em tudo nesta atual administração, os próximos avanços podem custar ainda mais caro.