Na bucólica e histórica cidade de Porto Seguro, a lei parece ter sido temporariamente suspensa dentro das paredes do Cartório de Registro de Imóveis (CRI). Com a intervenção promovida pela Corregedoria Geral de Justiça, esperava-se melhorias na segurança e na legalidade dos atos registrais. No entanto, o que se viu foi uma escalada de arbitrariedades, burocratizações desnecessárias e, principalmente, afrontas explícitas às leis vigentes e às prerrogativas da advocacia.
O novo interventor, agindo com total desprezo ao sistema normativo brasileiro, parece ter criado um Código Civil paralelo, impondo exigências incompatíveis com o ordenamento jurídico, como se decretos administrativos, provimentos e normativas internas tivessem mais força que a própria Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) ou que o Código Civil.
É inaceitável que um advogado precise agendar com uma semana de antecedência para ser atendido por prepostos do cartório, em verdadeira afronta à dignidade da profissão, como se fosse um favor e não um dever da serventia prestar atendimento eficiente e imediato. Nem mesmo magistrados ou promotores impõem tais exigências.
NOTAS DEVOLUTIVAS TERATOLÓGICAS
As notas devolutivas emitidas beiram o absurdo, demonstrando total desconhecimento das matérias. No caso de usucapião extrajudicial, por exemplo, o cartório tem se recusado até mesmo a permitir notificações por edital – previstas expressamente no art. 408 do Provimento CNJ 149/2023 – alegando a existência de herdeiros “desconhecidos”, mesmo quando o proprietário tabular faleceu há mais de 30 anos e todo o loteamento foi vendido há décadas. Exigir a localização desses herdeiros é impor ao cidadão o ônus de uma “prova diabólica”, contrariando o próprio espírito da lei, que visa desburocratizar e dar efetividade à regularização fundiária.
A situação não apenas impede o exercício regular do direito de propriedade, como gera danos financeiros e emocionais aos jurisdicionados. Em um caso documentado, os prejuízos ultrapassam R$ 20.000,00 apenas em diligências e taxas, além de anos de frustração. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que o registrador responde objetivamente por danos decorrentes da má prestação do serviço (REsp 1.849.994/SP).
É chegada a hora da OAB se posicionar de forma firme e institucional. A advocacia local não pode aceitar passivamente a usurpação do Estado de Direito por um interventor que se considera acima da Constituição e das leis. Os abusos não são meramente administrativos, mas violam garantias fundamentais, geram insegurança jurídica e comprometem a confiança na fé pública registral.
A cidadania exige respeito. O registro de imóveis deve servir à sociedade, e não ser instrumento de tortura burocrática institucionalizada. Não se trata mais de discutir interpretações jurídicas divergentes, mas de barrar uma atuação autoritária e ilegal, que já ultrapassou todos os limites da razoabilidade. Ah, que saudades do seu Vivaldo Rego !